Com a tecnologia cada vez mais presente no dia a dia das famílias, a restrição a aparelhos eletrônicos tornou-se uma árdua tarefa para os pais. Utilizada como fonte de distração para os pequenos, a exposição às telas tem ocorrido cada vez mais cedo na vida da criança.
Um fato preocupante para a Organização Mundial da Saúde é que muitas vezes os pais não enxergam os possíveis riscos que o uso intenso da tecnologia representa para as crianças e utilizam de jogos eletrônicos, vídeos e programas televisivos para mantê-las ocupadas enquanto realizam suas tarefas.
A naturalidade que propicia que os aparelhos eletrônicos adentrem os lares e enraízem na rotina familiar preocupa os especialistas. O uso indiscriminado de celulares e tablets durante as refeições, principalmente pelos pais, servem como exemplo de comportamento para os filhos que passam a reproduzir a ação ao longo da vida.
Pelos danos à saúde causados por esse contato precoce serem observados apenas a médio e longo prazo, o uso excessivo das telas continua a ser pauta para longos debates entre os especialistas em desenvolvimento infantil e passa muitas vezes despercebido pelos responsáveis pela criança.
Visando o direcionamento sobre o assunto, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) criou em 2016 um Manual de Orientação chamado Saúde de Crianças e Adolescentes na Era Digital. A intenção do documento é orientar o público alvo e através de dados alarmantes atentar pais, profissionais de saúde, de desenvolvimento e educadores infantis sobre os perigos das telas. O manual ainda aborda atitudes de limitação do uso de tecnologia por crianças e sugere maneiras saudáveis de mantê-las ativas.
Segundo a publicação, não é recomendado que crianças com idade inferior a 2 anos tenham contato com telas digitais. Para crianças acima de 2 anos, uma hora de contato diário deve ser o tempo máximo. Para chegar a essa conclusão a SBP analisou diversas pesquisas feitas nos últimos anos relacionando a influência negativa das telas no desenvolvimento infantil. Os resultados são surpreendentes e mostram que o contato excessivo pode aumentar as chances de sedentarismo, obesidade, diabetes, transtornos do sono, depressão e déficit de atenção.
Um dos principais motivos que leva a SBP a recomendar que os pais imponham limites para essa exposição dos filhos está relacionado à luz emitida pelas telas, conhecida como Luz Azul. Estudos mostraram que o contato com a luz azul cerca de uma a duas horas antes de dormir, tanto em adultos quanto em crianças, atrapalha diretamente a qualidade das noites de sono.
A Organização Mundial da Saúde recomenda que para um correto desenvolvimento, bebês de até 3 meses durmam de 14 a 17 horas por dia. Crianças com 1 a 2 anos precisam de 11 a 14 horas de sono diariamente, enquanto as maiores de 3 anos devem dormir de 10 a 13 horas. O tempo de sono em crianças se torna mais preocupante pela sua influência na liberação hormonal efetiva. É necessário que a criança percorra todas as fases do sono para que ocorram adequadamente.
Com a exposição à luz do celular, televisão ou computador o ciclo circadiano, relógio biológico que controla todo o funcionamento do organismo, sofre mudanças crônicas. A liberação de Melatonina, hormônio que prepara o corpo para dormir e mantém a estabilidade do sono, é inibida, ou seja, pode haver dificuldade para pegar no sono e para entrar em sono profundo. A produção de Leptina, que promove a saciedade, é igualmente afetada, por isso crianças que recebem desde cedo estímulo visual excessivo de luz azul podem desenvolver hábitos alimentares pouco saudáveis que levem a obesidade e a diabetes, principalmente quando o uso dos aparelhos eletrônicos ocorre no momento das refeições.
Outros hormônios importantes que são liberados durante uma noite de sono de qualidade são o GH, o hormônio do crescimento e o Cortisol, que colabora no controle do estresse e de inflamações. Crianças que dormem pouco ou de forma ineficiente podem apresentar crescimento lento e baixa estatura, além de deficiências imunológicas e instabilidade emocional relacionada à liberação do Cortisol.
Além do fator hormonal, o desenvolvimento cognitivo pode ser afetado em atividades escolares e que exijam memória e concentração, afinal é através do sono que as informações cerebrais recebidas ao longo do dia são armazenadas, para que possam ser acessadas com sucesso.
Profissionais alertam que o controle do acesso precisa ocorrer de maneira conjunta, tanto em casa quanto em outros ambientes como creche e escola, ou a criança começará a demonstrar preferências por ambientes em que o acesso à tecnologias seja facilitado.
A substituição das telas digitais por momentos que visem à interação social da família e de outras crianças é essencial para a concepção do senso de sociedade e de inclusão entre as pessoas. Momentos de leitura, brincadeiras interativas que estimulem o raciocínio e atividades ao ar livre em família proporcionam saúde física, mental e comportamental da criança, além de colaborar na manutenção das relações de confiança entre pais e filhos.